“Estou boquiaberto com o que me foi mostrado em Nova York por David Sarnoff, o boss da NBC: a televisão, a oitava maravilha do mundo. Num estúdio fechado um conjunto de câmara tocava um trecho de La Bohème, de Puccini. A cinquenta metros dali, em outra sala, através de um aparelho, eu pude ver e ouvir com perfeição a execução da ópera. Eu os reuni aqui para comunicar que, terminada a guerra, vou importar aquela tecnologia e instalar uma estação de televisão no Brasil. Queria que suas indústrias fossem se preparando, porque vocês vão ser os privilegiados que dividirão comigo as glórias de trazer esse invento revolucionário para cá. Os nossos inimigos que se preparem: se só com os rádios e jornais os Associados já tiram o sono deles, imaginem quando tivermos na mão um instrumento mágico como a televisão!”
Assis Chateaubriand, 1944
Foi com essas palavras que Assis Chateubriand, dono do “Império” dos Associados – Os Jornais Associados da América, maior empresa jornalística brasileira de influência quase imbatível no século XX, demonstrou o seu encanto pela televisão em solos norte-americanos. A empresa de Chatô, como ficou conhecido o paraibano Assis, englobava jornais impressos, revistas adultas e infanto-juvenis, programas de rádio, e, em pouco tempo, o “instrumento mágico” que chegaria em 1950 em solos brasileiros graças a seus incentivos: a TV.
A ideia, para muitos, era “coisa de louco” – Chatô trouxera alguns aparelhos televisivos para o Brasil, e tinha a intenção de instalar o primeiro canal brasileiro na cidade de São Paulo. O jornalista chamou para integrar sua nova equipe de assuntos relacionados à televisão colegas que trabalhavam na rádio, ou quem tivesse “alguma familiaridade com imagens em movimento”, e a inexperiência dos profissionais não era raridade na época, já que a novidade nunca antes vista no Brasil pareceu pegar todos de surpresa – salvo um ou outro que tivera algum convívio, ainda que superficial com o cinema brasileiro. Além disso, na década em questão, somente três canais de televisão funcionavam no mundo: um na Inglaterra, outro na França, e o outro nos Estados Unidos. Mas adianta de alguma coisa tentar tirar uma ideia da cabeça de um persistente?
Para Assis Chateubriand, não. Nem mesmo com a afirmação do Sr. Walther Obermuller (diretor da então americana NBC TV):
“Doutor Assis, o senhor está investindo 5 milhões de dólares na TV Tupi, e sabe quantas pessoas vão assistir à sua programação a partir do dia 18? Zero. Sim, zero, ninguém. Além dos que estão expostos em meia dúzia de vitrinas, não há aparelhos instalados na casa de ninguém, em todo o estado.”(Chateaubriand disse para ele não esquentar a cabeça com aquilo, que no Brasil tudo tinha uma solução.)
No dia da estreia do primeiro canal de televisão brasileiro - a então intitulada TV Tupi (devido a obsessão de Assis Chateubriand por índios), uma das câmeras principais da transmissão apresentou problemas. E agora? Sim, a célebre frase de Chatô de que no Brasil tudo tinha solução, parecia ter chegado em boa hora. A outra câmera funcionou normalmente, e mesmo com todas as limitações e imprevistos que ali estavam se impondo, a primeira vinheta da TV no Brasil foi ao ar - um jovem índio sorridente com seu cocar, o mesmo que faria parte da vida dos brasileiros nas próximas décadas. Começava ali, uma nova história para a nossa nação.
“Está no ar a televisão no Brasil”. Foi com
essa frase, que no dia 18 de setembro de 1950, o Brasil conheceu a imagem do pequeno índio que, de uma maneira muito simples, marcou o início da TV brasileira.
Vinheta da TV Tupi, pioneira em nosso país. Ao centro, o primeiro design gráfico do índiozinho
Seria muito banal de minha parte tentar descrever em uma só postagem o impacto e as (muitas!) transformações que foram ocorrendo nas famílias brasileiras com a popularização dos "tubinhos" que, através de imagens (e muita competência) ampliavam horizontes. A comoção era nacional - no começo, poucos tinham acesso ao instrumento, e os que a possuíam, "compartilhavam" a programação com vizinhos, parentes, ou com quem quer que passasse na rua e ouvisse uma movimentação diferente. E assim o Brasil tinha hora marcada com a TV Tupi - com as primeiras Telenovelas que aconteciam em tempo real, o primeiro Telejornal que, além das notícias faladas, apresentava imagens com relatos que pareciam surpreendentemente mais reais. Os primeiros apresentadores, atrizes e atores televisivos pareciam já ser "de casa", e o brasileiro, com sua generosidade sem limites, ainda parece abrir a porta da sua casa para o que hoje faz parte do sonho de Chatô - a televisão colorida.
Os canais televisivos hoje são muitos, mas a emoção de ver o nome "NO AR", certamente ainda causa muito frio na barriga em quem trabalha nesse veículo privilegiado - mesmo nos canais com menos alcance. Quem faz parte da televisão é, de certa forma, personagem da história do Brasil - país esse que mesmo com tantas contradições, ainda modela sonhos, e tem como protagonista um povo lutador, que não desiste mesmo em meio às adversidades. Chegar na casa de quem recebe de braços abertos, é, senão, uma das maiores honras que alguém pode ter na vida. ✽
Cássia Carvalho
Cássia Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário